Time4Fun é processada após morte de fã em show de Taylor Swift no Rio

Image
Taylor Swift

Photo: Bruna Manso (used under Creative Commons license)

Ana Clara Benevides Machado morreu no dia 17 de novembro em um show da Taylor Swift no Rio de Janeiro, onde a sensação térmica estava em 60ºC graus. A produtora de eventos, Time4Fun, está sob investigação das autoridades brasileiras e está sendo processada por vários fãs.

Time4Fun é uma das maiores empresas de entretenimento do mundo. Organiza shows na Argentina, no Brasil e no Chile, e festivais como o Lollapalooza Brasil.

No show do Rio Janeiro, a Time4Fun não apenas proibiu os espectadores de entrarem com leques, sombrinhas e garrafas de água, mas também tapou a grama do estádio com metal (causando queimaduras de segundo grau nos fãs) e tapou com tapumes em volta das ventilações de ar que criou “um grande forno”, segundo uma fã que falou com CorpWatch.

“Os gênios do capitalismo resolveram tapar com os tapumes em volta das ventilações de ar para ninguém ouvir do lado de fora,” Julia Carvalho, que tinha ingressos para o show de Taylor no dia 18 de novembro, disse ao CorpWatch. “Não importa, o show está lotado. Já foi vendido. Já lucraram tudo que dava, mas vamos tapar para ninguém ouvir de fora, vamos tapar a ventilação.”

Trabalho análogo à escrivadão e práticas abusivas na venda de ingressos

A Time4Fun está atualmente sendo investigada por suas práticas abusivas na venda de ingressos tanto no Rio quanto em São Paulo, onde ocorreu a turnê da Taylor, por não ter esclarecido como ela limita a compra de vários ingressos por revendedores não autorizados. Ela pode ser multada em até R$13 milhões.

A Time4Fun também está sob investigação do Ministério Público do Trabalho (MPT) depois que cinco trabalhadores foram resgastados de condições análogas à escravidão durante o Lollapalooza de 2023. Os trabalhadores de transporte e manutenção prestavam serviço à empresa terceirizada Yellow Stripe. Eles relataram terem sido obrigados a dormir sobre papelões em uma barraca e receberam apenas R$130 por dia com jornadas de 12 horas diárias. Os cinco trabalhadores afirmam que não foram autorizados a voltar para casa porque foram obrigados a vigiar o equipamento durante a noite. (A Yellow Stripe foi condenada a pagar R$10 mil a cada um dos trabalhadores como indenização após o incidente).

“A T4F considera este um fato isolado, o repudia veementemente e seguirá com uma postura forte diante de qualquer descumprimento de regras pelas empresas terceirizadas,” Time4Fun respondeu ao site de jornalismo investigativo Repórter Brasil.

Quatro anos antes, a Time4Fun foi acusada de contratar moradores de rua para montar os palcos por apenas R$50 por dia, em condições de trabalho análogo à escravidão, de acordo com a Folha de São Paulo.

Ana Clara chegou ao estádio mais de oito horas antes do início do show, aguardando na fila embaixo do sol. Mais de 1.000 pessoas desmaiaram durante o show e Taylor teve que interromper várias vezes o show enquanto fãs gritavam por água.

“Não tinha vento circulando no estádio, não podia entrar com leques,” Rodolpho Rodrigo, outro fã que foi ao show, escreveu no Twitter. “O calor onde eu estava era absurdo, não imagino o calor que fazia nas pistas, ainda mais cheias. A T4F [produtora do evento] precisa ser responsabilizada desta vez.”

Daniele Menin, amiga de Ana Clara, disse ao G1, que sua amiga desmaiou enquanto Swift cantava ‘Cruel Summer’, a segunda música de seu set. Os paramédicos levaram Ana Clara ao hospital, mas ela morreu de parada cardiorrespiratória no caminho.

Um dia depois da morte de Ana Clara, 150 mil pessoas assinaram um abaixo-assinado exigindo uma “Lei Benevides” para tornar obrigatória a disponibilidade de água em grandes eventos. Em 22 de novembro, o governo emitiu um decreto temporário que determina a permissão de entrar com garrafas de água e a distribuição gratuita da bebida pelos organizadores de grandes eventos. Mais de dez novos projetos de lei foram propostos na Câmara dos Deputados para exigir melhores políticas de distribuição de água em grandes eventos.

O segundo dia de show da Taylor, o 18 de novembro, estava previsto para ser o dia mais quente do ano na cidade.

Foi para esse dia que Julia Carvalho – designer que trabalha na UniCEUB em Brasília – tinha comprado seus ingressos. Ela gastou quase R$3 mil nos ingressos, na passagem de avião e em outros gastos para ir ao show. (Os ingressos para os shows da Taylor no Brasil custaram entre R$190 e R$2.250, um valor extremamente alto no Brasil, onde o salário mínimo é R$1.320 por mês.)

No dia 18, os fãs, de novo, chegaram com muita antecedência para garantir seu lugar dentro do estádio. Julia, que comprou um ingresso VIP e está no espectro autista, ficou andando de uma entrada para outra, procurando sua entrada VIP e a fila para pessoas com deficiência, mas foi repetidamente informada que nenhuma fila desse tipo existia, apesar disso ser obrigatório na legislação brasileira.

Julia começou a ter dificuldade de respirar e ter a visão embaçada enquanto caminhava de uma entrada para outra. “Eu realmente achei que eu ia morrer,” ela disse. “Eu já estava começando a ficar com taquicardia. Eu já estava tremendo. Naturalmente já tenho pressão baixa porque tenho anemia.”

Os vendedores ambulantes próximos ao estpadio perceberam que Carvalho não estava se sentindo bem e começaram a jogar água nela e lhe deram gelo. “Acho que se não fosse pelos ambulantes me ajudando, jogando água, dando gelo, me deixando ficar na sombra, eu tinha com certeza desmaiado aí,” ela disse. “Os ambulantes ajudaram muito mais do que os organizadores do evento.”

Como muitas outras pessoas, Julia foi levada ao hospital para receber atenção médica. Menos de duas horas antes do início do show, a equipe de Taylor anunciou que o show seria adiado para segunda-feira, chocando os fãs que tinham esperado horas debaixo do sol para vê-la. Julia, como muitos outros, não pôde ficar para o show porque teve que voltar para Brasília, por conta do trabalho.

Vários fãs que sofreram queimaduras graves no local do show agora estão se preparando para processar a Time4Fun. Carvalho também pretende processar a empresa por preconceito contra pessoas com deficiência, pela falta de filas para PCD, e porque em uma das entradas, o segurança falou que ela “não parecia autista”. Ela também pedirá o reembolso do voo.

A Time4Fun afirma que reembolsará todos os que perderam o show de sábado em até 30 dias depois do show, se eles preencherem um formulário online.

“Infelizmente, pela primeira vez em mais de quarenta anos de atuação, tivemos uma fatalidade em um evento organizado pela Time for Fun,” Serafim Abreu, CEO da empresa, disse em comunicado divulgado nas redes sociais, uma semana após a morte de Ana Clara. “Estamos absolutamente desolados, muito tristes com a perda da jovem Ana Clara, apesar do pronto atendimento e de todos os esforços realizados pelas equipes médicas no evento e no hospital. À família de Ana Clara, quero expressar os nossos mais sinceros sentimentos. Coloco aqui agora publicamente a nossa disposição em prestar assistência no que for necessário, como já dissemos diretamente para os membros da família e para o advogado que os representa, por telefone, por escrito, desde o ocorrido.”

Mas, apesar da declaração, a Time4Fun não apoiou à família de Ana Clara no traslado do corpo da vítima de volta para sua cidade natal no Mato Grosso do Sul, e no final foram os fãs que fizeram uma vaquinha para prestar esse apoio. A empresa também foi duramente criticada por demorar uma semana inteira para responder à morte.

* indicates required